A Cultura da Paz
Ao iniciar o novo ano, com um pouco mais de tempo do que se me tronou habitual em 2017, sentei-me diante do ecrã do televisor e parei em alguns canais que, no resto do ano, não me têm como cliente.
Confesso que não sou fundamentalista. Gosto muito de algumas séries; sou viciado em filmes; preciso de informação, como toda a gente e até faço alguma – hoje menos do que na época em que ser jornalista era a minha profissão maior, duro castigo esse mas que nos deixa sempre alerta para o resto da vida.
Se paro hoje para ver televisão, faço-o conscientemente – preciso disto ou daquilo – ou sem o menor pudor, e tanto me divirto com um jogo desportivo onde o desporto esteja realmente presente (hoje está cada vez menos!), com uma comédia menor, com uma grande reportagem. Só que, por razões que me mobilizam, não o faço com o tempo (talvez) merecido.
Ao saltitar agora pelos canais – e ao deter-me nalguns deles – notei, sem grande surpresa que há uma generalizada cultura do confronto e do conflito, onde se apela amiúde à guerra, seja em programas para crianças onde a violência é quase sempre o prato principal, aos noticiários que dão relevo aos crimes e sobretudo aos criminosos – o que psicologicamente é o oposto do que se devia fazer, pois o ego do assassino vê-se recompensado, como se a sua atitude merecesse o aplauso público. Há programas fora dos meios de comunicação, sobretudo nas escolas, onde se aposta na educação para a segurança, a defesa e a paz, isto é, na cidadania, que depois se veem contrariados nos seus melhores propósitos por uma televisão consumista, que tenta vender o confronto como prática de vida.
Essa permanente mobilização para a angustia e para o confronto, torna-nos cegos, surdos, sem olfacto ou tato, sem paladar para o melhor da vida. Deixa-nos sem sensualidade – e torna-nos pequenas seres azedos, que culpam os governos pelos incêndios que as mudanças climáticas causam (quem deu atenção aos especialistas? Ouviram António Damásio a dizer que não há Governo pequenino (o nosso?) ou maiorzinho (o americano) que consiga deter ou combater os fenómenos naturais a ponto de minorar catástrofes que nos transcendem?
Se olharmos para o século XX, o mais sangrento da história do mundo, devíamos ter aprendido alguns princípios fundamentais da convivência coletiva, nas sociedades que nasceram do terror, do caos, da morte, da destruição. Mas qual quê? Os povos desorientados começaram a pedir ordem e repressão – e assim nasceram as mais ferozes ditaduras que juntaram sangue ao sangue já derramado – e lá se foi a possibilidade de crescermos como povos de fraternidade e tolerância. Nos dias que correm ouvem-se os clamores fortes dos mais fracos de espírito, a pedir repressão, esquecidos que o que reprime não liberta. Como dizia o poeta: “não foi pra isto que andei/dias que foram longos e noites que não contei/a lutar pra ter a justiça como lei.”
Hoje, a exigência da promoção de uma cultura da segurança, da defesa e da paz impõe-se a todos os níveis.
Decido por isso voltar ao tema em 2018, o ano em que as bestas do apocalipse têm botões que podem detonar as armas nucleares, que farão de nós poeira suja por entre a magnífica poeira de estrelas que podíamos contemplar em paz, se fossemos inteligentes e aptos.
Alexandre Honrado
Historiador